segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

No meio das pedras tinha um caminho


Não gostava de lembrar do período que passara. Naquele dia , naquele quarto escuro , ela via um pequeno feixe de luz através da fechadura , esperando que alguém a salvasse , a ajudasse.Queria gritar mas faltava-lhe a voz. Queria chorar , mas sentia que as lágrimas haviam secado. Queria evitar se lembrar de tudo que ele dissera friamente ao telefone.Pois é. Tinha acabado mesmo. Ela não conseguia aceitar muito bem , pensava que de repente chegaria , com um buquê de flores em uma mão , e seu coração na outra. Nada disso aconteceu. 
E parece que a expectativa de que ele chegasse , a matava por dentro. Ela queria , sim , acreditar que tudo iria melhorar. Era a velha sensação de impotência. De não ter forças para lutar contra aquilo que estava fazendo mal a ela. Ela queria arrancar aquela dor do peito. Dor que desatinadamente doía. Doía a dor dolorida , no circo colorido e às vezes preto e branco que era chamado de coração. 
Ela queria pensar que esqueceria. Mas então ela via algum filme , tropeçava em alguma rua , falava alguma coisa...E se lembrava. Doía. Só isso. Perguntavam a ela onde doía. Ela foi ao médico perturbada pois a dor não a deixava dormir , e estava tendo sérias crises de insônia e solidão , junto com uma garrafa de vinho , igualmente solitária. Ela sofria. 
Queria arrancar os olhos para não ver , arrancar o coração para não sentir , e arrancar do cérebro as memórias que restavam. Queria arrancar aquilo da garganta, mata-lo , mas depois fazê-lo voltar. Fazê-lo ficar. Que importassem os métodos...Queria que ficasse. Os amigos se perguntavam , se preocupavam , e mais uma vez perguntavam onde estava a dor. Ela simplesmente respirou fundo , enxugou as lágrimas que agora corriam fartamente pelo rosto , e respondeu que a dor estava em cada canto dela , cada canto da parede , e cada canto da vida dela. Que a dor doía em qualquer parte , não era seletiva. A dor era mansa em alguns dias , mas em outros era cruel. Ela se sentia assim , refém da dor. A ponto de a qualquer momento largar tudo e todos para aprender o que era ser feliz de novo. Mas ela sabia que iria descobrir , não ali , não agora. Mas ela sabia que descobriria.
E enquanto olhava para os casais da rua , tão apaixonados , lembrava das coisas...Coisas que não foram prometidas , porém cumpridas. Coisas. Coisas como travesseiro , bola de sabão , chocolate , e cafuné. Lembrava , mas sem mágoa. Estava livre. Livre de qualquer coisa que a pusesse refém da dor novamente. Porque essa , não mais , será sua companheira. Agora respirava. Olhava para o pôr do sol  em Santa Teresa , estava uma temperatura agradável , olhava para o pôr do sol como se quisesse fundir-se a ele. Pela primeira vez se concentrou , e sentiu. Sentiu felicidade plena , sem motivo aparente. Respirava aquele ar. Respirava mais uma vez. Fechava os olhos. Esticava o braço para a frente , como se estivesse se preparando para uma maratona. Aquela era a vida. Chamando-a , instigando-a. Queria cair no mundo , e entender coisas que não entendia antes. Agora que não tinha mais ninguém para protege-la , ela entendia que não precisava de proteção. 
Olhava para uma moça com os cabelos crespos envolvidos por uma bela tiara. Os olhos cuidadosamente pintados , e olhando fixamente para a natureza ao seu redor. Sorriu. Se estivesse com ele ali , não seria capaz de reparar nessas singelezas. A exemplo , o casal que se divertia ao seu lado , discutindo sobre quem amava mais. Ah , não são lindas essas coisas? Quando que , por descuido , sentia-se livre. Um pouco ferida , é verdade. Um anjo de asa quebrada , torta. Sem coração? Jamais. Em meio a tantas reflexões , sentiu-se alheia ao mundo e o que estava acontecendo ao seu redor. Olhava atenta , com o viço de criança nas bochechas , e olhos de bola de gude. Queria entender como algo tão bonito pela espécie humana podia existir .Algo tão plural. O ser humano é tantos , mesmo sendo um só. Foi interrompida bruscamente quando um casal a chamou , para que tirasse uma foto deles.Com todo prazer , ela disse. A menina era loura , assim como ela , um ar claramente mais inocente. E o menino , parecia cuidar bem dela. Ela sentiu-se bem em ver aquele amor tão jovem , embora tão inocente e sincero. Claro que a teoria que ela tinha , de que os melhores amores são os amores ordinários , complicados , sem sentido e cruéis. Sim , ela tinha essa teoria. Mas pela primeira vez , admirou algo verdadeiramente inocente e puro , não soou a superficialidade , mas à maturidade encostando em seu coração e avisando que aquela dor havia ido embora. 
Tirou a foto , e o casal agradeceu. 
Pensava , que um dia pediria para alguém fazer o mesmo com seu “namorado”. O seu namorado que estaria num futuro distante , ou não tão distante. Sabe-se lá o que a vida guardava para aquela pequena desbravadora. Superou , sim. Mas aquela cicatriz ficava. Na verdade , era uma hemorragia estancada. Talvez , a menor ameaça de cair novamente , a menina se protegesse de todas as formas , afastando tudo e todos. Difícil dizer. Mas , estava sentindo-se tão bem. Feliz por si , só. Feliz por estar só. 
Alguns achavam a ignorância uma benção , ela achava que era a solidão. Claro que em doses homeopáticas. Solidão fazia com que ela se encontrasse consigo mesma , sem precisar perguntar se a bagunça dentro de si estava tão ruim, ou pedir desculpas por isso.Sonhava acordada , mas com os pés bem firmes no chão.

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