quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Azulejos brancos e considerações


Chegou aquele dia cansada do trabalho. Mais um dia ordinário , na mesma cidade ordinária , cercada por pessoas contando vantagem sem nem ao menos saberem o motivo de tudo aquilo. O sonho dela era saber para o que servia. Não entende ainda. Lava o rosto e olha para a rachadura suja no espelho. O rímel escorre pelo rosto, como se ela tivesse chorado. Ela queria ,mas estava tão seca e farta de tudo aquilo. 
O batom vermelho ela mesma tratou de tirar. Passou a toalha e borrou o batom pelo rosto todo. Soltou os cabelos negros , e foi tomar uma ducha. Começou cantarolando alguma canção de infância para espantar os fantasmas da maturidade que já lhe apavoravam. Começou cantando , de repente soltou um suspiro. Se sentou no box do banheiro. Olhou para o azulejo branco , e quebrado. O resto dos azulejos , apesar de sujos , eram mais bonitos do que aquele que atraiu a atenção dela. Era branco, quebrado , e ainda sujo. Tinha uma desvantagem em meio aos outros azulejos brancos. "Eu sou um maldito azulejo branco quebrado... Sou diferente dos outros, chamo a atenção por isso, mas logo se cansam de olhar para mim por verem que a única coisa que tenho de diferente é uma rachadura", ela disse com raiva , enquanto a água caía-lhe fartamente pela cabeça, esperando que a água deixasse sua cabeça tão clara quanto aquela água, e caía com tanta força que chegava a doer um pouco. Mas a dor cura. 
Ela riu da própria comparação. Mas em seguida se viu séria , pensando que ela realmente era como aquele azulejo. Há algumas horas ela se encontrou com ele. Foram para o café favorito, durante o horário de almoço. Ele, como sempre , encantador. Tudo o que ele dizia saía da boca com a leveza que ela queria ter, mas não conseguia. Mas os olhos dele eram tão sombrios...Quase sonolentos. E ela pensava o quanto queria gastar um sábado inteiro , na cama de solteiro que ele tinha. 
'Não me leva a mal , Alice. Você é linda , e diferente de todas as mulheres que eu já conheci na vida.' 
Ela sorriu desconfiada, mas quis ser simpática. 
'Obrigada, mas por que eu te levaria a mal?'
'Eu conheci outra menina.' 
Pronto. 
Só se lembra de ter dado um sorriso , e em seguida ter ficado séria. 
'Olha , não precisa fazer essa cara... Ela é um doce. Você não sempre disse que queria que eu fosse feliz, independentemente de ser com você ou não?'
'Lembro.' 
A cara que ela fez de enterro deve ter denunciado o desespero e o conflito que estava dentro dela mesma. Ele tentou apaziguar : 
'Não me leve a mal... Ela é menos... Intensa. Eu acho que você é intensa demais, às vezes. Luciana tem uma vibe mais relaxada, sabe? Você leva tudo a ferro e fogo , se entrega demais às coisas.'
'E desde quando isso é ruim?' 
'Não é ruim , apenas não é o meu perfil. Sou muito calmo.'
'Você é fraco.'
Apenas se lembra de ter pegado as coisas e ido embora, sem olhar para trás. 
Mais um. 
Ela riu-se por dentro , no banheiro. Querendo com todas as forças ter uma lista com o nome de todos os caras que já amou na vida. Ela queria uma lista, para apenas ter o prazer de riscar o nome de mais um. Mais um. Ela pensava que poderia ser um defeito dela.Lembrou de forma amarga como cada um foi embora de sua vida. Como ela acordou no dia , como estava vestida, como estava sorrindo os outros dias todos. 
Mais do que uma decepção, cada pessoa que passava pela vida dela arrancava um pedaço do seu coração e o levava consigo. Não é nenhuma metáfora bonita. Por isso é tão difícil se entregar de novo para o próximo , mesmo sabendo que haverá o próximo. Mais um para arrancar um pedacinho de seu coração a ermo. Mais um para tocá-la , para tocar seus seios , para amá-la na cama , para fazer dela mulher pela última vez. Mais um para vulgarizar o próprio sentimento e esquecer de inocentá-la da história. 
Lembrou do primeiro namoradinho de infância, do quanto detestava a menina loura e bonita que sempre estava perto dele. Mas um dia, com aquela beleza toda infantil e de um jeito desastrado e lindo ele a pediu um abraço pois a achava muito bonita. Ela pôde então , analisar de perto o rosto de seu Narciso moderno. O suor deixava aparente a penugem loura da futura barba , e os cabelos enrolados e dourados não deixava dúvida : Estava diante do grande amor de sua vida e seriam felizes para sempre. 
Ela errou mais algumas vezes depois desse 'engano'. Se enganou e se engana. Alguns se aproximam justamente pelo jeito que ela tem , intenso e forte. Outros se afastam pelo mesmo motivo. Ainda sentada no banheiro , ela sorri sozinha com suas aventuras românticas. Como ela queria ter se casado com o rapaz que ela se entregou pela primeira vez. Como ela queria estar do lado do Joaquim , quando ele deu a primeira volta no carro que pagou parcelado. Como ela queria estar perto de todo mundo que se foi, e que ela amou. Porque apesar de ter amado mais e melhor as outras vezes todas, ninguém nunca totalmente se foi. 
Todo mundo que vai embora faz o mundo cair todas as vezes que vai. Todo mundo que foi, fez o sangue dela pulsar em um ritmo charmoso quando estava por perto.Ela tinha medo de conhecer alguém um dia que a deixasse e levasse o coração por inteiro , porque não tinha mais pedaços para partilhar. 
Levantou do chão e desligou o chuveiro. Se enrolou na toalha , e a passou com força no rosto. Olhou no espelho novamente. O rosto estava limpo, mas agora via as olheiras. Não estava feliz naquela cidade. A cidade roubava todos os sorrisos que ela queria dar. A esperança era o que ainda restava da noite. Olhou para o relógio.
23:30. 
Foi ao quarto , escolheu o vestido preto. Vestiu. Ele se ajustava perfeitamente ao corpo , valorizando os seios , que já eram pequenos mas que ainda assim combinavam perfeitamente com seu corpo magro e esguio. Colocou o batom vermelho. Passou o seu melhor perfume. 
Com a alma chorosa desceu as escadas. Entrou no carro e esperou. Esperou estar melhor. Não estava. Se olhou no espelho pela última vez. Estava bonita. Mas ainda se sentia como um maldito azulejo branco. Tão suja quanto os outros , mas ainda assim tinha um diferencial, a rachadura. 
Queria encontrar alguém que visse aquela rachadura e não achasse um defeito. E sim um charme , uma qualidade , um diferencial positivo. Afinal , quais azulejos brancos tinham uma rachadura bem no meio? Ela sorriu da própria analogia torta. Sorriu amargo mas sorriu. Sabia que a noite ainda trariam motivos para que ela substituísse o sorriso amargo pelo sorriso irônico , e dependendo da quantidade de tequila, substituiria pelas risadas sem fim. 
Como era difícil encontrar o amor na cidade grande. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário